BOYS' LOVE COMO EMPODERAMENTO FEMININO
Já pararam pra pensar em como BL dá voz criativa às mulheres?
Boys' Love, ou BL, é um gênero feito de mulheres para mulheres em sua maioria. O gênero nasceu de obras shoujo mangá que teve seu início no fim dos anos 70 e atualmente domina proporções inimagináveis com diferentes tipos de escrita e adaptações.
Com o crescimento das narrativas BL, a mulher, em sua maior parte, toma o centro como produtora de conteúdo e ganha a liberdade de expressão dentro da própria comunidade, seja produzindo ou consumindo o gênero. E para entendermos melhor como a mulher ocupa esse espaço, como ela chegou até esse auge e ganhou essa liberdade, precisamos entender um pouco da história do shoujo.
Um fato é que as primeiras revistas e mangás feitas para as mulheres apenas mostravam como elas deveriam se portar diante da sociedade, como educação, tarefas domésticas e bons modos na sociedade, ou apenas mostravam tirinhas humorísticas. Não era o mangá como conhecemos hoje.
Somente com Osamu Tezuka, nos anos 50, que os mangás tomaram um rumo diferente com meninas realmente sendo protagonistas de histórias de ficção, dando, assim, base para o shoujo mangá.

Com a crescente produção dessas obras feitas em sua maioria por homens, ficava evidente a falta de o que as mulheres queriam ver nessas histórias.
Pois, porque não mulheres para entender o que as mulheres querem ler?

Os autores do até então shoujo, que era escrito por homens, começaram a ser demandados em revistas para o público masculino, segmentando as demografias como conhecemos hoje: shounen, seinen e kodomo. Nisso, na época de 1966, uma jovem de 16 anos abriu novos caminhos para o shoujo mangá: Machiko Satonaka. Ela achava que “as mulheres eram mais capacitadas para entender o que as meninas queriam ler do que os homens” (SCHODT, Frederick L. Op. cit., p. 97).
O shoujo era visto por muitos como uma leitura discriminatória por ser feita por mulheres e apenas para mulheres. Porém, sabemos que o Japão se desenvolveu na centralidade de histórias de homens para homens e nunca foi questionado isso. Então, ao criar um nicho segmentado onde as mulheres eram protagonistas e escritoras de suas narrativas, criou-se para elas um lugar de empoderamento.
E assim seguiu com o Boys' Love que se originou de um mangá shoujo chamado "Kaze to Ki no Uta" escrito por Keiko Takemiya em 1976, considerada a obra pioneira do gênero BL, conhecido antigamente por Yaoi.

Porém, Boys' Love nunca foi visto como um gênero qualquer. As “garotas podres” ou fujoshis como somos denominadas, sempre foi um grupo reduzido e julgado diante dos observadores de fora. Porém, no início dos anos 2000, o gênero ganhou espaço na América e na Europa. O gênero BL, querendo ou não, providencia um local seguro para se compartilhar desejos e fantasias de fãs femininas.
A consequência dessa emergência internacional do gênero culminou no nascimento de fóruns e comunidades voltadas para o BL, que servem tanto de refúgio quanto de acolhimento para esse grupo. Tais comunidades também encorajam outras mulheres a desenvolverem sua própria narrativa, considerado um espaço de aceitação, que promove a autoconfiança e autogovernança dessas mulheres.
Sendo assim, grande parte da popularidade do gênero e de sua crescente fanbase se dá graças aos espaços online de interação, pois esses espaços ajudam a moldar o feminismo global com uma ação de troca cultural.
De fato, esse gênero feminino oferece um ambiente seguro e de apoio para mulheres que buscam conteúdo de mídia que transmita uma mensagem positiva de igualdade de gênero em histórias altamente emocionais.
O gênero BL também fornece suporte para a dissociação das construções de gênero em muitos casos. Para Nakajima (1991), BL é considerado um gênero feminista que critica a sociedade patriarcal por seu sistema conservador de papeis de gênero. Tal ponto é visto de forma positiva por alguns autores por causa da questão de quebra de gênero.
Claro que o gênero também explora o seu lado mais sexual e que também se espelha em um relacionamento heterossexual com um “ativo” (seme) e um “passivo” (uke) da relação que cai novamente em linhas heteronormativas da sociedade. Mas também é importante considerar, que em certos países, assuntos como sexo e relação homoafetiva são tabus.
Então tal escrita sexual pode ser considerada uma forma de autoempoderamento que está associada às atitudes dessas mulheres em relação ao discurso hegemônico das normas de gênero padrões e apoiadas pelo contexto cultural dominante.
Um exemplo bastante conhecido é a China. No país a homossexualidade foi descriminalizada em 1997, mas em 2016 uma pesquisa disse que menos de 5% da população é assumida LGBTQIA+. Sem contar que em 2022 o Departamento Municipal de Rádio e Televisão e Administração Nacional de Rádio e Televisão (NRTA) já pediram o fim da comercialização de obras BL como filmes, doramas e programas de TV com cunho “afeminado”, sendo o último realmente aprovado em 2022 e atingindo muitas celebridades e influencers do país.

Parte da produção BL chinesa contemporânea também serve como forma de resistência ao governo por causa do rigoroso regime autoritário do país, já que muitos trabalhos são censurados por causa das leis. Danmeis (novels chinesas) tendem a ser o meio favorito de autoras para se escrever BL, pois a censura é mais difícil de ocorrer e assim ganham mais destaque que os próprios manhuas.
É fácil relacionar a cultura BL com uma cultura feminista que trabalha com a autopromoção e autoemporamento tanto de autores quanto de consumidores das obras.
Assim também como ocorre nas Filipinas. Grande parte do país é de doutrina religiosa e conservadora, e eventos e comunidades BL surgem como um refúgio de fãs para se consumir e produzir livremente fanarts, fanfics, novels, doujinshis, pinoy manga (mangá filipino) BL.
A verdade é: o modo como se é visto BL por quem não conhece o gênero, a forma como eles são produzidos, circulados e consumidos pode facilmente limitar e restringir o potencial político e cultural presente no gênero. Ao relacionarmos o BL a uma estrutura feminista escrita por mulheres, podemos esclarecer não apenas uma nuance política da cultura BL, mas também possíveis abordagens que o movimento político feminino poderia adotar para um papel mais relevante na causa de igualdade de gênero,
O Boys' Love com sua predominância abriu portas não só para artistas estrangeiros fazerem sucesso mundial, mas também deu espaço para artistas brasileiros terem a chance de publicar e licenciar suas obras por editoras. Conheça algumas dessas histórias:
The Flower Pot por Amanda Freitas (JBC)
Lebre e Coelho por Alec (NewPOP e Tapas)
Arlindo por Ilustralu (Seguinte)
Hamus por Hvmus (Tapas)
Referências Bibliográficas:
DA SILVA, Valéria. Quando as mulheres tomam a palavra: reflexões sobre o shoujo mangá. ACADEMIA, 2018.
MCLLELAND, Mark; NAGAIKE, Kazumi; SUGANUMA, Katsuhiko. Boys Love Manga and Beyond: History, Culture, and Community in Japan. University Press of Mississipi, 2015.
CHANG, Jiang; TIAN, Hao. Girl Power in Boy Love: Yaoi, online female counterculture and digital feminism in China. Feminism Media Studies, Taylor and Francis Group, 2021, vol. 21, no 4, 604-620.