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"BOYS RUN THE RIOT": A MODA COMO AFIRMAÇÃO DE GÊNERO

"Boys Run The Riot" é um mangá sobre o personagem Ryo, um garoto trans que adora moda. Um dia, ele conhece Jin, que curte os mesmos estilos de roupa que Kyo. Então, os dois resolvem juntos criar uma marca de roupas como forma de se expressarem.


O mangá foi criado por um homem trans, Keito Gaku. "Boys Run The Riot" é um dos meus mangás favoritos e estou muito feliz que ele finalmente será publicado no Brasil. É importante que cada vez mais obras com personagens trans venham para cá.


Título: Boys Run The Riot

Kanji: ボーイズ・ラン・ザ・ライオット

Tipo: Mangá

Volumes: 4

Status: Completo

Publicação: 27 de Jan/20 a 14 de Out/20

Gênero: Drama, Slice of Life

Serialização: Young Magazine (Weekly)

Autor(a): Keito Gaku

Ilustrador(a): Keito Gaku











VIVÊNCIA TRANS


O que vou falar sobre esse mangá vem muito de experiências próprias minhas como uma pessoa trans. É comum usarmos roupas e a moda como forma de expressão. Sim, isso acontece com todo mundo. Mas, para pessoas trans, em especial, como Ryo, as roupas que usamos muitas vezes se tornam a nossa forma de expressarmos como queremos ser vistos pela sociedade e/ou como nos sentimos mais confortáveis. Mas isso é também algo complexo.

Querendo ou não, roupas ainda são separadas de acordo com gênero. Por mais que isso venha mudando, ainda existem as definições de “roupas femininas” e “roupas masculinas”. Então, para Ryo, usar roupas ditas femininas (como o uniforme da escola) é algo muito doloroso, pois elas acabam o definindo como menina. Além disso, tem o fato de que roupas masculinas são as que mais deixam Ryo confortável. E usar as roupas que nos deixam confortáveis é o que mais importa.

É a partir do seu gosto pela moda que Ryo começa a se encontrar mais ainda na sua identidade, externando como ele verdadeiramente se sente. Usando a roupa como forma de expressar como ele quer ser visto: um garoto. Quem é trans sabe a felicidade que é sair de casa usando algo que você realmente gosta e acha que combina com a forma como você se sente. E quando alguém te trata no gênero com o qual você se identifica sem você precisar dizer nada é algo muito gratificante.


Nessa cena, por exemplo, alguns garotos comentam sobre o tênis de Ryo, chamando-o de "cara".

A forma como o mangá explora a dor de Ryo quando alguém o trata como menina é extremamente realista. O Japão ainda está evoluindo em questões LGBT e é ótimo ter essa visão através do mangá de como é a comunidade no país e de como essas pessoas são tratadas por lá. As questões trans, por exemplo, são bem diferentes entre Brasil e Japão. Mas, mesmo que tenha algumas diferenças entre os países, é muito fácil de identificar com Ryo. Não apenas pessoas trans podem se conectar com ele, como também qualquer pessoa que esteja em busca da sua própria identidade. Afinal, todos queremos viver da maneira mais autêntica a nós mesmos possível. É bom mencionar que o mangá também aborda a não-binaridade, mostrando um personagem que se identifica como x-gender (termo usado no Japão). E a moda também é algo bem marcante para esse personagem também.


IDENTIDADE DE GÊNERO X SEXUALIDADE


Outro ponto importante que o mangá toca é o da sexualidade. Uma coisa que muitas pessoas confundem é a diferença entre identidade de gênero e sexualidade. Isso é explorado no mangá também. Ryo está descobrindo sua identidade de gênero, mas ainda parece confuso com sua sexualidade, apesar de estar interessado em uma menina da sua escola.

É interessante quando Ryo é questionado por outro personagem porque ele não poderia se interessar por outro garoto. Mas isso deixa Ryo inseguro e com medo de que assim as pessoas respeitem menos ainda sua identidade de gênero. Ou seja, existe a pressão heteronormativa até mesmo nas pessoas trans.


Mesmo que uma pessoa se identifique como um homem trans, como Ryo, não significa que por isso ele precisa ser heterossexual. A identidade de gênero de uma pessoa é diferente de sua sexualidade. Uma pessoa trans pode ser heterossexual, homossexual, assexual, bissexual, panssexual etc. Há esse medo que Ryo sente de não ser levado a sério na sua identidade se ele se desviar o mínimo que seja do que é “um homem de verdade”. Por isso ele sente a pressão e desconforto quando um garoto se interessa por ele. Isso também está relacionado ao fato de essa pessoa ver ele como menina, mas a discussão sobre qual poderia ser a sexualidade de Ryo é muito pertinente e importante de ser levantada na história.



DISFORIA X EUFORIA DE GÊNERO

Disforia. Isso não acontece com todas as pessoas trans, mas a maioria sente uma desconexão entre o que a pessoa sente que é e o corpo com o qual ela nasceu. Não sentimos como se nosso corpo fizesse sentido com o que sentimos que somos. Esse sentimento se chama "disforia de gênero", que é um desconforto com o próprio corpo relacionado ao nosso gênero. Ryo sente isso, o mangá explora muito bem esse desconforto que ele sente, pois seu corpo não se alinha com quem ele sente que é. Pessoas trans podem optar por fazer tratamento hormonal e/ou cirurgias para se sentirem mais confortáveis com seu próprio corpo. Ou não. Ou apenas algumas dessas opções. Isso vai de pessoa para pessoa.


Aqui a moda também entra como um ponto importante na nossa expressão de gênero. As roupas podem nos proporcionar uma sensação inversa a disforia, a chamada “euforia de gênero”. É quando sentimos uma extrema felicidade com o nosso gênero, seja em algum momento que usamos uma roupa que nos deixe bem, ou ao fazer cirurgia e/ou hormonização. De novo, depende de pessoa para pessoa. Pessoas trans não são todas iguais, não seguem um padrão definido. Mas algo é comum: quando vemos no espelho alguém que reflete quem nós sentimos que somos a sensação é realmente de euforia, uma alegria tremenda.


"Desde então, quando eu visto as minhas roupas favoritas, eu me sinto à vontade. É o único momento que eu não vejo uma versão de mim que eu odeio".

A MODA (E O GRAFITTI) COMO FORMA DE PROTESTO


A moda em "Boys Run The Riot", assim como o grafitti, também é usado como forma de protesto pelos personagens. Ryo acaba criando uma rede de apoio com seus amigos. Para ele, assim como para qualquer pessoa trans, ter pessoas que nos apoiam e validam a nossa identidade é algo essencial para nossa saúde mental. A moda, além de validar Ryo, é também uma forma dele e de seus amigos protestarem contra uma sociedade que dita como devemos nos comportar de acordo com como nascemos e que trata as pessoas de formas diferentes dependendo de como elas são.



"Boys Run The Riot" é um mangá extremamente importante e dá para sentir que foi uma criação de muito amor do mangaká, baseado também na sua própria vivência como homem trans. É um mangá que acolhe, levanta debates interessantes, além de explorar a moda de maneira profunda como formação de nossas identidades. Cada vez mais se vê obras sobre personagens trans criados por pessoas trans. Espero que isso só continue a crescer para que, tanto nas histórias quanto fora delas, tenhamos essa representatividade tão necessária.


"Boys Run The Riot" será lançado em breve pela editora JBC, completo em 4 Volumes:



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